Ação do PSOL questiona benefĂcio fiscal que pode custar cerca de R$ 10 bilhões por ano para a União, segundo estudo. Produtores alegam que fim da desoneração pode aumentar os custos em R$ 12 bilhões, anualmente. STF vai decidir se a isenção para agrotóxicos é constitucional
Nathalia Ceccon/Idaf-ES
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar na tarde desta quarta-feira (19) uma ação que questiona a isenção de impostos estadual e federal sobre os agrotóxicos.
Por que a produção de alimentos depende de agrotóxicos?
A anĂĄlise do processo estĂĄ na pauta da suprema corte, mas poderĂĄ ser adiada se algum ministro pedir vistas ou caso o julgamento de alguma outra ação atrase.
A ação questiona normas que preveem a isenção de IPI de 24 substâncias e redução em 60% de ICMS nas operações interestaduais envolvendo 15 tipos de defensivos agrĂcolas (também é possĂvel a redução dentro dos estados e DF).
A Ação Direta de Inconstitucional (ADI), como é chamada, foi movida pelo PSOL em junho 2016. Desde então, o ministro relator, Edson Facchin, pediu pareceres técnicos de diversas entidades, representantes de produtores rurais, movimentos sociais e de saĂșde, para analisar o impacto econômico e social da medida.
Que impostos a ação mira?
O PSOL pede que o STF torne sem efeito parte do chamado "ConvĂȘnio 100", um acordo entre as secretarias estaduais da Fazenda, no trecho em que autoriza a redução em 60% a base de cĂĄlculo do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) sobre pesticidas e outros insumos agrĂcolas.
O partido pede também que seja declarado institucional um decreto do governo federal de 2011 que, entre outras coisas, zera a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos agrotóxicos. Como comparação, medicamentos, como vacinas, tĂȘm IPI zerado, bem como os farmacĂȘuticos veterinĂĄrios.
JĂĄ alguns produtos considerados nocivos à saĂșde tĂȘm uma alĂquota elevada. É o caso dos cigarros (300%), refrigerantes (50%) e bebidas alcoólicas (30%). Porém, alimentos como massas, panetones e biscoitos também são isentos de IPI.
O que diz quem pede fim da isenção
Segundo o PSOL, as desonerações "confrontam o direito constitucional ao meio ambiente equilibrado, o direito à saĂșde, e violam frontalmente o princĂpio da seletividade tributĂĄria, posto que realizem uma 'essencialidade às avessas', ou seja, contrĂĄria ao interesse pĂșblico".
Em 2017, a então procuradora-geral da RepĂșblica Raquel Dodge recomentou a inconstitucionalidade dos benefĂcios fiscais. Ela afirma que deve-se buscar a sustentabilidade, não cabendo incentivos fiscais aos agrotóxicos em um "Estado DemocrĂĄtico de Direito Ambiental".
No entendimento do MPF, as regras previstas para o registro e uso de agrotóxicos mostram que o ordenamento jurĂdico tem preocupação com a periculosidade dos agrotóxicos, "impondo severas restrições à produção, registro, venda e manejo".
"Deseja-se, apenas, que o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a saĂșde coletiva e a proteção social do trabalhador sejam esteio de toda a atividade produtiva", defende.
O que diz quem é contra o fim da isenção
O argumento do governo federal é de que a agricultura é um setor importante para economia e que, ao desonerar os pesticidas, o produtor rural tem mais competitividade. Outra justificativa é que os defensivos ajudam a produzir mais alimentos e evitam o desperdĂcio de frutas, verduras e legumes.
Em parecer enviado pelo Ministério da Agricultura ao STF, que o G1 teve acesso, o governo alega que a agricultura é "fundamental para impulsionar" outro setores da economia e que o fim da isenção pode comprometer muitas atividades agrĂcolas.
"Estima-se que uma recomposição imediata dos custos tributĂĄrios, isentados pelas atuais polĂticas pĂșblicas, possam significar uma transferĂȘncia de renda do agricultor de R$ 12 bilhões por ano, comprometendo boa parte da viabilidade de diversas culturas no Brasil", disse o ministério.
A Advocacia-Geral da União (AGU) defende a medida, alegando que a decisão sobre a isenção de impostos pertence aos poderes Executivo e Legislativo, não sendo tema para a Justiça.
A AGU considera que o "mal maior ao meio ambiente" é o "uso indiscriminado e excessivo de agrotóxicos", o que é combatido com a fiscalização ambiental. E que "eventual e esporĂĄdico uso mal feito dos agrotóxicos" não é o suficiente para tornar inconstitucionais os benefĂcios fiscais.
O sindicato que representa as fabricantes de agrotóxicos (Sindiveg) afirma que a redução de impostos é positiva para o setor. "A tributação provocaria aumento nos custos dos alimentos para a população, bem como reduziria a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional."
De quanto governo abre mão?
A Associação Brasileira de SaĂșde Coletiva (Abrasco), uma das participantes da ação no STF, apresentou um estudo em que afirma que o total de benefĂcios fiscais concedidos pela União aos agrotóxicos em 2017 se aproximou dos R$ 10 bilhões.
"Não se justifica o atual grau de subsĂdio direto e indireto que o Estado brasileiro concede à indĂșstria de quĂmica fina e ao agronegócio ao isentar tais venenos em mais de 60% da carga tributĂĄria", disse a Abrasco.
Custo a mais
A Confederação da Agricultura e PecuĂĄria do Brasil (CNA) afirma que, caso as desonerações acabem, o custo a mais serĂĄ pago "por toda a sociedade brasileira, que sentirĂĄ os reflexos nos Ăndices de inflação".
A CNA estima que o fim da isenção geraria aumento anual de 9,5% no IPCA, Ăndice que calcula a inflação oficial.
Segundo a associação que representa os produtores de soja (Aprosoja), o fim do benefĂcio fiscal custaria R$ 8 bilhões a mais por ano para quem produz o item mais exportado pelo Brasil.
Outra entidade que reĂșne as fabricantes de pesticidas (CropLife Brasil) afirma que os gastos do brasileiro com a cesta bĂĄsica poderão sair de 46,7% do salĂĄrio mĂnimo lĂquido, para mais 50,8%, caso a isenção acabe.